Saturnina

Ah, tempo! Aponta o ponteiro
Aos mundos escondidos
Na escuridão do infinito
De fora, de dentro.
Qual Narciso é pensar que só eu
Existo no meu tempo
E só meu tempo,
Em mim existe.
Raríssima!
Existo flutuando, sozinha?
Assim, tão completa
Que não fui construída
Por ninguém, senão por mim?
Apartai, liberal!
Que sou o que éramos,
Poderei ser, pois, o que somos.
Quem sou?
Agora, não posso saber.
Saberei quando o tempo
Terminar de passar.
Que quero?
Para mim, como hei de querer?
Se querendo,
estando no mundo,
Formo a ti, além de mim.
Por saber que sou o que és, leitor,
Serei o que leres; seu entender.
Logo, me adianto:
Que queremos?
Partamos aos desejos
Pelo futuro do pretérito;
Pela conjugação dos sonhadores,
Sonhemos o que seria de nós,
Se não tivéssemos que estar assim.
Conjuguemos, companheiros,
O verbo que queremos
No tempo que temos.
Imaginemos, o que seria
Se não tivéssemos que estar assim.
Criemos, pois, esse terceiro ser.
Nossa arma, são os “se”
Do tempo que ainda não chegou.
Nossa língua, nossa agulha, nossa linha.
Ah, como seriam melhores
Os tempos sem os algozes!
Que nos tirem a caneta!
Mas a palavra viva
Do além-espaço, guardado no campo imaginário.
Nunca poderão nos tirar
A conjugação do verbo
Sonhar, sonharíamos.
Fazer, faríamos.
Sonhamos; faremos.
Não nos tirarão a
Imaginação de outro lugar.
A alternativa de outra vida
Nos é assegurada pela justiça da linguagem,
Mãe, juíza, revolucionária.
Percebe que tantos
Sonharam, imaginaram,
Angustiaram, gritaram,
Atacaram, fizeram,
Construíram, acreditaram.
E se assim foi,
Assim poderá ser,
E seria se não fosse como é,
E pode mudar pois já mudou antes e
Assim abriu a possibilidade do será.
Na matéria fica o que foi e é.
Pois se ao ver, existe em ideia,
Existe também em linguagem,
E assim naquele minuto
E nos minutos futuros; vivo se faz o ido.
Assim é o tempo:
Deus morto, mumificado.
Quer receber sacrifícios;
Lágrimas, risos, neurônios.
Ao se alimentar, ressuscita
No presente, bem dentro de ti.