Passantes

Emanuelle Anastassopoulos
2 min readNov 29, 2020

Leonid Afremov

Nem chovia nem nublava, mas Celeste se molhava em solidão. Resolveu arrumar alguma desculpa para sair na rua:

-Mãe, estou indo ao banco.

-Celeste, minha filha, tira esse casaco marrom que nem tá frio.

Dissimulou indiferença e saiu pela porta. Pisou na calçada e a luz do sol a cegou. Quando finalmente conseguiu olhar o céu azul, algo deslocou em seu peito. “Inevitável sentir, mas quando não há com quem compartilhar, a falsidade se enraíza no peito. Como vou saber que o que sinto é verdade se não externalizo?” Vagou debaixo das nuvens. Pouco a pouco se encaixava no fluxo; tamanhos, dedos, rostos. Subia o morro e sentia-se externa à espécie; o contorno dos corpos lhe parecia artificial. Parou em uma vendinha engordurada:

-Moça, me dá um cigarro.

-Solto?

-Aquele maço ali de Marlboro.

-Branco ou vermelho?

-Branco, por favor.

Virou a esquina. “O que são esses lugares de passagem? Olha só quanta gente junta, andando sem parar. Essas pracinhas são tão abandonadas… Ninguém vem aqui mesmo.” Ao piscar, viu os beijos que deu sentada em bancos de madeira; rapazes, cidades onde morou, os raios de sol banhando as folhas das praças. Tentou afastar as lembranças. Sentou-se, enquanto o vento soprava arrastando os passos dos pedestres. Ascendeu o cigarro e respirou aliviada. Pôs-se a observar; algumas embalagens vazias jogadas no canteiro de flores, uma senhora gorda brigando com um moleque que parecia seu filho, um casal de mãos entrelaçadas vestidos de uniformes de firmas diferentes. De repente um maltrapilho a abordou:

-Lindinha, me empresta o isqueiro?

-Claro, toma aqui.

O senhor estava muito bêbado para ascender o cigarro e demorou algum tempo até relembrar como se realiza o ato. Celeste o observava com uma curiosidade sutil, para não o constranger. O bêbado sentou-se ao seu lado e os dois fumavam juntos quando ele a perguntou:

-Bonito seu cabelo, a senhorita é daqui?

-Sou não, e o senhor?

-Sim. — Conduziu os olhos avermelhados para o limitado horizonte da rua — É de onde, menina?

-Ah… — Expirou a fumaça, inclinando a cabeça para baixo — Pergunta difícil, viu…

Celeste ofertou um sorriso ao bêbado e ele retribuiu banguelo. Aí olhou pra cima e percebeu que começava a armar temporal. Os dois ficaram em silêncio por um instante.

-Qual é o seu nome?

-Adalberto.

-Mora por aqui?

-É, eu fico a…

Uma voz grossa o interrompeu:

-Ô Adalberto!- Gritou um taxista do ponto da praça- Adalberto faz o favor de deixar a moça em paz! Não fica roubando a brisa das pessoas, não vê que tá incomodando, mano?!

O bêbado quis protestar, mas não conseguiu organizar as palavras. Apenas se levantou e foi sentar no outro lado da praça, sem mais olhar para a moça.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

Emanuelle Anastassopoulos
Emanuelle Anastassopoulos

Written by Emanuelle Anastassopoulos

Escrevo o que me sussurram. No BS é @manuanasta.bsky.social

No responses yet

Write a response