Cegueira Precoce

Emanuelle Anastassopoulos
3 min readOct 4, 2020

Há em nosso tempo uma pandemia de catarata. O grupo de risco é composto majoritariamente por jovens, que lástima! Ah, irmão… para ti, eles são o mau do mundo, e para eles, és tu. Trabalhador contra trabalhador e Deus contra todos. Esses discursos de rostos novos, de vozes agudas e dentes regulares, me confiscam a esperança na revolução. Tu te moves pelo dever moral de renegar os ganhos históricos de outros companheiros. Só não reparas que a história desliza nas proporções universais que carregamos dentro de nosso peito humano; não se pode diminuí-la à anatomia nem tampouco a tomar como indomável. Outra coisa te passa desangulada à vista; o dever moral é religioso, não político. Atormenta-me a ideia de que já não me olham nos olhos. Um temor passa rasteiro no fundo de minha mente e faço esforço para que venha à tona; “a burrice venceu! Aprender com os outros já parece pieguice. Não se diferencia radical de extremista.” Sobre isso, aliás, sinto lhe informar que quanto mais extremo, menos radical, jovem salvador.

Venho do não agora para dizer-lhe que o mundo vai além de vosso umbigo. Aliás, desagarra desse umbigo que já tais posto no mundo há um tempo! Compreendo-te querido, dói crescer. Mas tua dor não é mais importante que a dor de nossos companheiros. Sinto informar-lhe, criança, mas ela nem sequer é apenas sua ou dos que se parecem contigo. O seu é nosso, o nosso é de todos. Insisto para que percebas que dividir os pobres é seu próprio sepultamento. Não se deve tentar impor as dores da cidade sobre o campo, nem vice-versa. O Brasil é um país de proporções gigantes, seu povo não é homogêneo, nem a língua, nem nada. O Brasil é um território marginal, aqui a hostilidade reina, só não a transfira aos seus companheiros de classe. Nossas dores são reais e objetivas. Se irracional, revolves lutar contra um mundo muito bem racionalizado, perderás. Os inimigos não são os magros, nem os homens, nem os brancos, nem os héteros. Na política, não acharás analista. Pareces querer convencer os outros de tuas dores íntimas, não de teus incômodos públicos. Não há necessidade de publicitar a tua intimidade, não há necessidade de se despir, não vencerás pelado a luta de classes nem os trabalhadores votarão em candidatos por pena de não terem roupas.

Mas também as páginas virtuais tem suas responsabilidades, afinal, não és o que és só por seres, assim como não existe abstração pela simples abstração. Tua dor aqui é ampliada, e já não se usam os megafones para gritar contra o governo. Como és ingênuo em achar que através da ferramenta de uma empresa capitalista tu poderias ser livre. Aqui, tua bolha virtual te forma desde novo para não compreender realidades contraditórias. Em tua linha do tempo, todos são como você e não sabes como agir quando vês alguém aparentemente diferente. Saibas que, na realidade, esses diferentes são iguais. Talvez essa concepção seja avançada demais às mentes sectárias virtualizadas. Mas a anatomia da sociedade brasileira é diversa e não será matando brancos, homens, héteros e magros que salvarás o mundo. Essas dores podem ser resolvidas em conjunto e assim deve ser. Só te peço, evita ser burro. Não fuja de literaturas, não rejeite sem entender, não sinta antes de pensar, não negue sem humanizar, não mire sem ver. Carrega no peito a convicção da revolução e aglutina saberes da oposição. Respeita aos semelhantes com a nitidez da iminente destruição do inimigo objetivo, e avance, juventude!

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Written by Emanuelle Anastassopoulos

Escrevo o que me sussurram. No BS é @manuanasta.bsky.social

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